O desafio da governança nas estatais: avanços e limitações  4d5az

671e2f

Sem alocação eficiente de recursos, empresas públicas têm dificuldades em investir na modernização de sua infraestrutura, na inovação de seus processos e na implementação de novos modelos de negócios sustentáveis

  • Por Edvard Corrêa* (Livres)
  • 14/06/2025 09h00
  • BlueSky
Fernando Frazão/Agência Brasil cerimônia de posse da presidente da Petrobras, Magda Chambriard Magda Chambriard, presidente da Petrobras

O papel das empresas estatais no Brasil tem sido cada vez mais valorizado como um fator essencial para o desenvolvimento socioeconômico e sustentável. No entanto, essa valorização vem acompanhada de um grande desafio: como fortalecer a governança dessas empresas em um contexto de recursos limitados, competitividade crescente e constantes transformações no cenário global">

Nos últimos anos, a Secretaria de Coordenação e Governança das Estatais (Sest), ligada ao Ministério da Gestão e Inovação, tem procurado melhorar o desempenho das estatais, com iniciativas como o lançamento do Índice de Governança e Políticas Públicas (IG-Sest) em 2017 e do Manual para Carta de Políticas Públicas, publicado ano ado. Essas ferramentas têm como objetivo alinhar as estatais às políticas públicas e incentivar boas práticas de governança. 

No entanto, é importante destacar que essas iniciativas, apesar de bem-intencionadas, não são uma solução definitiva. O IG-Sest, por exemplo, vai além do simples cumprimento da Lei das Estatais (nº 13.303/2016), incorporando novas dimensões como políticas públicas e boas práticas. Mas oito anos após seu lançamento, será que foi suficiente para transformar a realidade dessas empresas em um contexto de recursos escassos e pressões externas intensas? Os escândalos recentes em empresas estatais apontam que não. E será que a troca de boas práticas realmente se traduz em inovação e resultados tangíveis para a sociedade? 

Embora o índice traga uma visão mais ampla da governança, ele não resolve as dificuldades estruturais que muitas estatais enfrentam. A adoção de boas práticas de gestão, como as promovidas por empresas como Petrobras e Embrapa, é positiva, mas elas ainda estão longe de serem realidade para a grande maioria das estatais. A inovação pode ser disseminada, mas a diferença entre as líderes e as demais continua sendo um obstáculo significativo. 

O Manual de Carta de Políticas Públicas também traz diretrizes interessantes para alinhar as estatais às políticas nacionais, além de incluir abordagens ligadas à sustentabilidade, como os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU e a agenda ASG: ambiental, social e governança (ESG em inglês). No entanto, a real efetividade dessas diretrizes está em como as estatais vão realmente implementar esses compromissos no dia a dia. A questão é: até que ponto essas diretrizes serão mais do que apenas uma obrigação formal para as empresas, sem garantir um impacto real no desenvolvimento sustentável e nas necessidades da população? 

Essas iniciativas representam avanços importantes, sem dúvida, mas a verdadeira transformação das estatais no Brasil exigirá mais do que ajustes em governança e mais compliance. O contexto desafiador no qual essas empresas estão inseridas exige uma abordagem muito mais ampla e integrada. Será necessário enfrentar desafios como a escassez de recursos fiscais e a complexidade das mudanças tecnológicas e ambientais que estamos vivendo. A seguir, sugiro algumas reflexões sobre quatro pontos essenciais.

Escassez de recursos fiscais h45r

A escassez de recursos fiscais no Brasil é um dos principais obstáculos para a transformação das estatais. O Brasil enfrenta um cenário de desequilíbrio fiscal crônico, com déficit orçamentário e elevado endividamento público. Em um contexto em que as receitas governamentais são escassas e a pressão sobre o orçamento aumenta, o financiamento adequado para as estatais torna-se cada vez mais limitado.

Sem uma real alocação eficiente de recursos, as estatais têm dificuldades em investir na modernização de sua infraestrutura, na inovação de seus processos e na implementação de novos modelos de negócios sustentáveis. A falta de investimento em áreas estratégicas como tecnologia, capacitação de pessoal e desenvolvimento de novos produtos ou serviços coloca em risco não apenas a competitividade das estatais, mas também sua capacidade de cumprir seu papel social e ambiental. No Brasil, em um contexto de austeridade fiscal, a dificuldade em equilibrar as necessidades do setor público com as limitações orçamentárias cria um ciclo vicioso, no qual a inovação fica muitas vezes em segundo plano, diante da urgência de cobrir déficits imediatos. 

Mudanças tecnológicas e transformação digital 643i3b

Além disso, a complexidade das mudanças tecnológicas é outro desafio substancial. A quarta revolução industrial, caracterizada pela digitalização, inteligência artificial, automação e big data, impõe às estatais uma pressão crescente para que se adaptem a novos paradigmas tecnológicos.

No entanto, muitas estatais brasileiras ainda enfrentam dificuldades em incorporar essas tecnologias de forma eficiente. A resistência à mudança, a falta de capacitação tecnológica adequada e a baixa infraestrutura digital em algumas empresas públicas dificultam a implementação de soluções tecnológicas inovadoras que possam gerar maior eficiência e competitividade.

A transformação digital nas estatais é um pré-requisito para que elas não fiquem à margem da inovação, mas é também uma tarefa complexa, que demanda investimentos, habilidades especializadas e uma mudança cultural dentro das próprias organizações. Embora haja bons exemplos com processos mais avançados, isso não é regra, e a grande maioria das estatais ainda precisa lidar com uma grande defasagem tecnológica. 

Desafios ambientais e a sustentabilidade em longo prazo  4c623d

A agenda ambiental é igualmente crucial. As estatais brasileiras, que muitas vezes operam em setores-chave como energia, transportes e telecomunicações, são diretamente impactadas pelas questões ambientais e pela necessidade de adotar práticas de sustentabilidade em suas operações.

O Brasil, por sua biodiversidade única e sua grande responsabilidade ambiental, precisa que suas empresas públicas se alinhem a compromissos globais, como os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) e as metas climáticas do Acordo de Paris. Contudo, muitas estatais ainda carecem de uma estratégia robusta de sustentabilidade, que vá além do cumprimento de normas ambientais e seja capaz de integrar práticas ecologicamente responsáveis em sua estratégia central.

A transição para modelos mais verdes, como a economia circular e a descarbonização, exige investimentos significativos, inovação tecnológica e, em muitos casos, uma transformação estrutural das operações dessas empresas. Sem essa adaptação, as estatais podem não apenas perder competitividade no mercado global, mas também falhar em atender às crescentes expectativas da sociedade em relação à responsabilidade ambiental. 

Necessidade de integração e inovação 246h1f

Por fim, a verdadeira transformação das estatais exige um processo de integração mais profundo entre governança, inovação e sustentabilidade. A governança corporativa, que se tornou o ponto focal das reformas, não pode ser vista como um fim em si mesma, mas como parte de um processo mais amplo e integrado, que inclui a inovação organizacional e a capacidade de adaptação às novas demandas do mercado e da sociedade.

A inovação não se limita à tecnologia; ela precisa estar presente nas formas de gestão, na adoção de novos modelos de negócios, na criação de parcerias estratégicas e na reinvenção das relações entre as estatais e a sociedade civil. Empresas como a Petrobras e a Embrapa demonstram que é possível combinar a excelência em governança com a inovação social e ambiental, mas é necessário que mais estatais sigam esse caminho, investindo em novas formas de gestão, aprendendo com modelos internacionais bem-sucedidos e incentivando a criação de soluções criativas para os problemas sociais e ambientais. 

Portanto, o que se exige não é apenas o aprimoramento das estruturas formais de governança ou a implementação de mais controles de compliance, mas uma verdadeira transformação das estatais em organizações mais resilientes, inovadoras e capazes de integrar a sustentabilidade como um pilar estratégico central de suas operações. Essa transformação só será possível se as estatais forem vistas não apenas como um reflexo das necessidades do Estado, mas também como atores-chave no desenvolvimento de um Brasil mais justo, sustentável e tecnologicamente avançado. 

Edvard Corrêa é líder Livres, comunicólogo de formação e especialista em ESG, Governança e Gestão Pública

*Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião da Jovem Pan.

  • BlueSky

Comentários

Conteúdo para s. Assine JP .